Havia tempo que o Brasil
não conhecia manifestações populares de protesto e insatisfação como
aquelas que vimos nesses dias passados. Será que o “gigante pela própria
natureza” resolveu levantar-se do “berço esplêndido” em que jazia
“eternamente”?
As manifestações
tiveram início em São Paulo, com o protesto de combater o aumento do
bilhete do transporte coletivo urbano. Logo, estenderam-se para outras
capitais do Brasil. A reivindicação pelo bilhete foi atendida,
depois de alguns dias; mas as manifestações, inicialmente, sobretudo de
estudantes, só foram aumentando em volume e extensão. E já não eram mais
apenas jovens: também pessoas adultas, idosas e até crianças.
Os motivos do protesto, que quer ser político mas não partidário, passaram a ser os mais
diversos: corrupção e desperdício no uso do dinheiro público, estádios
suntuosos e interesses “esportivos” pouco transparentes em vez de
hospitais, escolas, mais infra-estrutura de transportes urbanos; contra a
politização da justiça e tantos outros motivos foram expressos em
palavras de ordem de lideranças pouco identificáveis, ou cartazes
improvisados nos cortejos dos manifestantes.
O que querem mesmo esses manifestantes,
que enchem ruas, praças e rodovias, ameaçam tomar símbolos do poder,
como os palácios do governo ou câmaras legislativas? “Não é por 0,20
centavos”, lia-se em muitos cartazes. Por certo, o aumento das passagens
do transporte coletivo urbano foi apenas a gota d’ água que fez
transbordar a medida, que já andava cheia, mas não se percebia, nem se
queria levar a sério o grau de insatisfação da Nação verde-amarela.
O povo, sobretudo os jovens, cansou-se de ouvir falar em corrupção, impunidade, falta de reforma política,
povo que continua pobre na “5ª economia do mundo”... Quem disse que os
jovens só querem navegar na “rede” e trocar mensagens cifradas,
mantendo-se alienados da realidade que os cerca, estava bem equivocado.
De um momento a outro, a indignação explodiu e se derramou de maneira
ruidosa pelas ruas. Sem saber bem verbalizar a insatisfação que
experimentam, adolescentes e jovens dizem, simplesmente: “não dá mais;
temos que fazer alguma coisa; vamos mudar o Brasil”...
Mas nos cortejos das manifestações pacificas também apareceram os oportunistas nada pacíficos e pouco interessados em protestar,
mas em extravasar em violência, ou em promover atos de vandalismo e
depredação do patrimônio público e privado. Lamentavelmente, além dos
danos materiais causados, esses anti-sociais também roubam a cena e
ameaçam o caráter cívico das manifestações. Felizmente, houve uma clara
repulsa desses atos por conta dos manifestantes.
O fenômeno dos protestos estendeu-se a todo Brasil,
mesmo a cidades médias e pequenas. Não foi só pelo poder convocatório e
contagiante das mídias sociais, mas pela vontade de mudar o Brasil para
melhor. Como fazer? Ainda não se sabe bem como. Não se quis dar
conotação partidária às manifestações, nem cunho institucional, mas
estritamente popular: as massas querem falar; povo não identificável com
partidos, ideologias, siglas e bandeiras, que acredita ser possível
melhorar o Brasil, mas não se sente identificado com o andar das coisas,
nem com discursos e estatísticas oficiais... Como vão conseguir isso?
Ainda não se vê claro.
O certo é que o Brasil
“real” está mostrando insatisfação com o Brasil “institucional”. Susto
para os políticos! Barbas de molho para os que ainda achavam que o
Gigante está “deitado eternamente em berço esplêndido!” Erro de cálculo
para quem acha que estádios caros e suntuosos para a Copa do Mundo são a
melhor política pública, porque enchem o povo de ufanismo campeão do
mundo! O povo está cobrando um Brasil mais sério e justo para todos.
Futebol, carnaval e internet já não bastam. Os jovens torcem por um
presente de grandeza real para a Pátria amada idolatrada! Que sejam
ouvidos.
Autor: Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo
Um comentário:
Caro Colega Proseador! Tem muita gente tirando muitas conclusões sobre estes protestos. Creio eu que existem, no mínimo, 3 tipos de conclusões usados por 3 grupos distintos de pessoas:
1º "Os protestos não passam de maquinações da direita rancorosa que quer desestabilizar o governo" (grupo governista, que está atualmente no poder: PT e demais partidos parasitas).
2º "Os protestos são consequência do desastre governamental de Lula e Dilma" (grupo das Elites Tradicionais, PSDB e Cia).
3º "Chega de corrupção, ineficiência e falta de representatividade e investimentos básicos!" (Grupo majoritário nos protestos, Povo em geral que exige uma nova ordem política).
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