22 de outubro de 2014

A salvação é para todos!



“Que todos sejam um.” (Jo 17,21)

Jesus Cristo é a chave de leitura para o cristianismo. Redundância à parte, essa convicção origina um dos conceitos mais importante para a fé cristã: a salvação. Normalmente, o conceito de salvação está ligado ao sacrifício de Cristo na cruz pela remissão dos pecados da humanidade. Essa ideia não encontra mais em si mesma um respaldo teológico. Dada a importância de Jesus, os primeiros cristãos já se movimentaram para considerar toda a criação e a razão última do ser humano sob a perspectiva de Cristo. A antropologia cristã compreende o ser humano como criado para a salvação, a tal ponto de não podermos excluir esta destinação última, sob pena de falsearmos a compreensão teológica do próprio homem. O objetivo central de toda pastoral da Igreja é a salvação e, na medida em que muda a vida e suas circunstâncias, deve a Igreja acompanhar tais mudanças com novas ações, condizentes com o momento histórico.

O atual pluralismo religioso exige uma nova perspectiva à noção cristã de salvação: como relacionar a confissão cristã da salvação única e universal de Jesus Cristo com a pretensão salvífica das outras tradições religiosas torna-se uma pergunta importante e com necessidade de reflexão séria.

Para tentar responder, pode-se partir da noção cristã de salvação. Na história do cristianismo, o núcleo originante desta noção está na experiência dos primeiros discípulos com a pessoa de Jesus, por si considerada salvífica, porém realizada de maneira plural e diversa, assim como foram as situações entre os discípulos e Cristo, historicamente enraizadas na experiência.

Salvação, no sentido teológico atual, significa a plenitude do ser humano, o sentido último da vida, a realização humana total, que acontece na vida concreta, no interior da história e percebida na fé. Como nenhum indivíduo realiza em si a plenitude da fé, segundo a concepção cristã é a Igreja universal o sujeito da fé. Um dos problemas enfrentados hoje é a separação entre fé e vida, fazendo com que a formulação de salvação de Cristo não corresponda às situações existenciais por nossos contemporâneos. Daí o desinteresse pela fé cristã, a busca por instâncias seculares ou mesmo a passagem para outras religiões. Embora não seja fácil estabelecer na expressão salvífica o equilíbrio necessário entre o transcendente e o imanente, é fundamental que tentativas sejam feitas.

O termo “salvação”, num sentido amplo, responde às aspirações e carências humanas, e por isso é o elemento central que justifica a existência e o sentido das religiões de modo geral. A fé cristã confessa que a salvação de toda a humanidade se deu na pessoa e na vida de Jesus Cristo e reserva a ela a exclusividade salvífica. A consciência de fé que temos hoje não mais atribui este “status” de Jesus exclusivamente à Igreja Católica ou ao cristianismo. O Concílio Vaticano II reconhece a salvação para os não cristãos, embora se limita à salvação dos indivíduos, sem considerar o valor salvífico das outras religiões em si mesmas.

Constata-se, evidentemente, que as experiências salvíficas nas diversas religiões diferem claramente uma das outras. A base antropológica comum se refrata numa multiplicidade de experiências devido ao contexto sócio-cultural e à tradição religiosa no interior dos quais se dão essas experiências, que são sempre contextualizadas. Como são diversas as experiências salvíficas, também o são as suas expressões.

Em todas as religiões há um elemento comum que busca a liberação das carências próprias da condição humana e de plenificação das virtualidades. Tomando-se a necessidade de uma compreensão condizente com o atual pluralismo religioso, pode-se refletir sobre a ação universal do Espírito Santo, sem fechar sua conceituação na perspectiva cristã, mas como um espírito que é derramado sobre toda a humanidade e “sopra onde quer”. Pode-se concluir que a ação do Espírito Santo não pode ser confinada ao interior do cristianismo, pois acontece segundo os contextos sócio-culturais onde acontece. Evidente que “Espírito Santo” é uma denominação cristã, mas sua significação pode ser lida à luz de especificidades religiosas.

Assim, pode-se concluir que a salvação e sua plenitude só pode ser Deus mesmo, única realidade que satisfaz a abertura ao infinito da transcendência humana. Naturalmente, as religiões não cristãs, como nem mesmo o cristianismo, são a expressão histórica límpida da ação do Espírito ou das experiências salvíficas, pois existe o erro e o pecado na condição humana. É importante respeitar os programas salvíficos de todas as tradições religiosas sem reduzi-las a meras fantasias nem totalizar alguma expressão religiosa como lugar pleno de salvação. Cada religião capta apenas uma perspectiva da realidade, por estar condicionada pelo seu horizonte de compreensão que a impede de captar outras perspectivas, de tal modo que cada salvação é verdadeira dentro de sua perspectiva, sem que as outras a contradigam.

Deus é a plenitude da salvação e Ele vai além de instituições religiosas ou conceitos doutrinais.


Texto referencial: Salvação ou salvações? Mário de França Miranda (1998)

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