Uma preocupação tem preenchido minha atenção: porque temos medo de olhar para nós mesmos? Tenho experimentado um sentimento profundo de solidão diante de um mundo que, a cada dia que passa, facilita mais o nosso serviço, a nossa comunicação, as nossas atividades. Tudo tem ficado mais acessível, mais próximo... e contraditoriamente, estamos mais distantes uns dos outros e, pior, de nós mesmos.
Tenho cultivado uma amizade especial. Uma pessoa que, de repente, entrou na minha vida e fez chacoalhar a minha alma e minha profundidade. Ele não é religioso, não é professor, não é terapeuta, não é palestrante. Ele é humano. Qualquer pessoa que passe ao lado dele pela rua, não consigo imaginar que pare para conversar com ele ou sinta-se interessado por sua vida e suas atividades. No que ele trabalha, poucos sonham em seguir o exemplo. Trabalho honesto, justo, exigente. Mas não dá status, não promove socialmente. Apenas garante o salário., como é o caso da maioria das pessoas.
Sei que, como grande parte das pessoas, ele sonha em ganhar mais dinheiro, em ter um bom carro, uma boa casa, uma vida tranquila, sem desafios exigentes ou coisas extraordinárias. Ele é mais do tipo “caipira”, que busca sossego e paz. Tem suas angústias, tem suas dúvidas e tem dificuldades com a namorada e com a família.
E daí? Por que escrever um texto sobre alguém tão normal?
Em 2013, o Brasil vai experimentar, como Igreja, a força de uma Jornada Mundial da Juventude. Sou religioso de uma congregação de padres conhecidos como dehonianos. Entre diversas atividades, algumas são direcionadas para a juventude. Chamamos de “Juventude Dehoniana” o conjunto de ações que envolvem jovens, especialmente com um trabalho missionário de animação comunitária cujo protagonismo está justamente na ação da juventude. Junto com essa Jornada Mundial, nossa congregação realiza um grande encontro com jovens de todo o mundo para partilhar nossa espiritualidade. No mesmo ano de 2013, vamos realizar o Encontro Internacional da Juventude Dehoniana. O lema deste encontro dehoniano é “Caminhai no amor”, inspirado na carta de São Paulo aos Efésios (5,2). Na mesma carta, Paulo nos lembra que precisamos ser imitadores de Deus.
Imitar Deus parece algo inalcançável para nós. Realmente, jamais seremos capazes de sermos como Deus. Somos sua semelhança, sua imagem. Bom, isso não é pouco. Mas será que lembramos disso? Será que realmente nos sentimos sua semelhança?
Foi por isso que comecei falando de meu amigo. Posso nunca saber realmente como ele sente nossa amizade, se ele coloca em mim a mesma confiança que, por decisão minha, coloco nele. Talvez nunca saiba se ele vê com a mesma força como eu nossa amizade, tão recente mas tão intensa.
Diante disso, escolho imitar a Deus.
Na sua relação conosco, Deus vive em silêncio um amor que não tem fim. Ama simplesmente. Ele sabe que nunca seremos capazes de corresponder esse amor. Mesmo assim escolhe amar. Não só escolhe, mas se compromete com esse amor, nunca desistindo de nós. E quando acertamos, Ele fica do lado. Quando erramos, Ele permanece junto. Quando queremos falar, Ele escuta. Quando queremos ouvir, Ele fala pela vida, pelos acontecimentos do dia-a-dia. Mesmo que nos distanciemos dEle, nunca deixa de aguardar nosso retorno. Paciente, Ele sempre espera por nós. E só espera por aquilo que somos, e não pelo que fazemos. Quero ver meu amigo desta mesma forma: o que ele é, não o que faz.
Nessa amizade, tenho aprendido a esperar. Nos passos desse aprendizado, já tropecei algumas vezes. Fiz algo que Deus nunca faz: interferir. Um amor de liberdade é o amor de Deus por nós. Precisamos, então, imitá-lo. Quando temos um amigo, um namoro, um matrimônio... podemos tropeçar achando que, para ver o outro feliz, somos nós os responsáveis por essa felicidade, e apresentamos inúmeras propostas para que o outro faça. Realmente somos parte importante. Podemos, com nossa presença, contribuir muito para isso. Mas não podemos exigir que o outro seja igual a nós. Que goste das mesmas coisas, que pense do mesmo jeito, que aja exatamente conforme nosso modelo, que faça o que queremos... que ame da mesma forma que amamos.
Imitar a Deus é deixar o medo de não ser amado pelo desejo de amar. O que nos faz felizes não é ser amado, mas o amar. Imitar a Deus é amar o outro, simplesmente amar. E isso é uma opção...
Nesse amar, está o mandamento cristão (Marcos 12, 28s): ouvir a voz de Deus, que é amor, amando a Deus e ao próximo como a si mesmo. E aí está o ponto de partida: ouvir-se! Só quem olha para si mesmo, com amor sincero e abertura de coração, pode amar.
Amo meu amigo. É um amor de opção. E enquanto for capaz de assim caminhar, serei feliz. E o farei feliz... na liberdade!
Giorgio Sinestri, scj
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