20 de junho de 2012

Coragem para mergulhar


A primeira página do meu navegador de internet está configurada para notícias gerais. Em destaque, existe um espaço que apresenta as manchetes, normalmente com imagens que ajudam a identificar a notícia, desde assuntos importantes até fofocas de famosos. Dificilmente uma semana termina sem destacar nessas notícias que algum casal se separou, que uma nova técnica para conquistar “seu amado” está em moda, que uma nova dieta para garantir aquela tão sonhada boa forma foi divulgada, que um especialista dá dicas de como conseguir mais dinheiro ou garantir mais comodidade, que um famoso se envolveu em algum escândalo ou fez algum pronunciamento “revolucionário”, que um novo produto tecnológico está à venda, que mais um caso de corrupção política foi descoberto e uma nova CPI foi iniciada... Assuntos como qualidade de vida, espiritualidade, compromisso social, relações humanas, quando aparecem em destaque estão vinculados a algum produto ou serviço.
Qualquer assunto é possível encontrar em mecanismos de pesquisa na internet, com rapidez e quantidade. Nunca estivemos tão ricamente envolvidos por um mundo de informação e conhecimento. Tudo é mais fácil, mais rápido, mais instantâneo, mais próximo. Nosso país está vivendo um momento de estabilidade econômica e os índices oficiais de pobreza vêm diminuindo a cada ano. Mais pessoas aumentaram seus salários e, impulsionados por uma mídia que investe na propaganda e no comércio, estamos cada vez mais sedentos por novos recursos e possibilidades de interação na comunicação. Estamos convencidos que o importante mesmo é ter dinheiro e condições de usufruir dele. O resto é resto, inclusive nossos sentimentos e limitações.
Perdemos a coragem de mergulhar em nós mesmos. É melhor entrar na onda do comodismo e das facilidades. Quanto menos sofrer, melhor. Aliás, o sofrimento humano é visto cada vez mais como algo desprezível e desnecessário. Tudo que nos afaste do sofrer é melhor!
Por isso mesmo estamos a cada dia mais sozinhos. A solidão tem feito muita gente se afastar do sentido da vida, mesmo que tudo esteja ao seu dispor. O ser humano é feito de sonhos, de conquistas, de descobertas... e de renúncias. Jesus garante que perder a vida por causa do Evangelho é dar-lhe sentido pleno (cf. Marcos 8,34-38).
E qual é a causa do Evangelho? Pelo que devemos “perder a vida”?
Toda a vida de Jesus foi para manifestar a humanidade criada por Deus. Criados à sua imagem e semelhança, nossa essência é a essência de Deus: o amor. Tudo que nos afasta disso nos afasta de nossa realização e de nossa felicidade. Amor tem relação com profundidade, com intimidade, com entranhas. Na linguagem original do povo de Deus que escreveu a Bíblia, amor tem significado íntimo com útero, justamente o órgão que gera vida. Para a gestação da vida, é preciso “invadir” o mais profundo. No íntimo da mulher estão as condições para a geração da vida. O homem, igualmente, precisa permitir que sua intimidade experimente o movimento de “expor-se”, de sair do escondido para alcançar a mulher. De um ato de entrega existe a chance de nova vida. Belo ensinamento de Deus!
Mas estamos condicionados ao isolamento, à escuridão, ao fechamento, à solidão. É melhor guardar sentimentos e desejos do que gerar deles vida nova a partir de nós mesmos. Essa é a vontade do mundo comercial. O novo que nos é oferecido está no exterior. Por não ser parte de nós, precisa ser conquistado, adquirido. É por isso que somos bombardeados por ofertas encantadoras e cada vez mais afastados de nós mesmos. Quanto mais nos aproximarmos das coisas externas, mais o círculo comercial está garantido. Isso é que importa!
Agora pense comigo: você tem explorado seus sentimentos, mergulhando fundo no que você realmente é? Tem se permitido amar de verdade, com toda intensidade? Tem se permitido sofrer para descobrir-se parte desse Amor-Deus?
Enquanto buscarmos apenas as facilidades que nos afastam do nosso profundo ser, seremos eternamente infelizes e incapazes de perceber, na vida, que somos feitos para amar, porque do próprio amor fomos gerados.
Enquanto fugirmos de nossa essência, teremos uma falsa paz que nos aprisiona num mundo criado para nos tornar vítimas do comércio e do lucro de poucos que, para também esconder suas frustações e inseguranças, exploram os outros para imaginarem-se superiores.
Não se iludam: nem mesmo eu que escrevo isso estou fora desse vício. Nossa essência está escondida debaixo de tanta casca que impede a luz do amor que irradia dentro de nós se manifestar. É justamente aí que nasce nosso sofrimento, pois para alcançar nosso interior, são muitas cascas a serem ultrapassadas. Elas foram coladas ao nosso ser por essas ideologias que insistem em nos apresentar como a melhor. Se fosse realmente o melhor para nós, não estaríamos presenciando o aumento de casos de depressão, suicídio e vazio existencial, os casais viveriam a unidade e a fidelidade com mais vigor, pois saberiam reconhecer no outro a chance real para a vida, a fraternidade que nos aproxima de Deus-Criador de todos seria a regra, e não a exceção, e a felicidade plena estaria nas nossas mãos, nos nossos pés, e no nosso coração.
Tenhamos coragem de mergulhar num mar cheio de encanto. Num primeiro momento, o medo e a insegurança podem atrapalhar essa viagem. Mas tenha certeza: as conquistas serão para sempre!

Giorgio Sinestri, scj

Um comentário:

Reflexões disse...

Bom! Muito bom!
Suas reflexões vem ao encontro das minhas. Adorei suas palavras e peço permissão para usá-las em um encontro neste domingo,pois fala exatamente o que será necessário.
Temos medo desse encontro com nossos sentimentos. De mergulhar profundamente naquilo que realmente somos. E realmente quando fazemos isso as cascas vao saindo e isso faz sofrer.
Ando pensando em outro texto que postou uma vez de um outro autor,que falava sobre ostras e perolas. Quero colher muitas perolas ainda, estou a produzir uma,em breve a terei em mãos.
Espero ter coragem pra mergulhar sempre mais fundo e também quero isso para os demais.
Giorgio,por favor continue a escrever pois estes pensamentos ajudam muito a minha caminhada.
Abraço